Um
profissional de RH é muito mais que um especialista em burocracia trabalhista ou mero caçador de “talentos” no mercado. Hoje é necessário conhecimento holístico
do meio ao qual estamos inseridos, para que seja possível criarmos políticas
desenvolvimentistas alinhadas à nova realidade de uma determinada região, ou
mesmo, país. O RH hoje, para ser verdadeiramente estratégico, precisa envolver-se
nos mais distintos cenários. Entender um pouco de antropologia, psicologia, política,
economia, sociedade... Enfim, saber o
que influi no comportamento das pessoas, como extrair seu melhor e
principalmente: ter claro onde a organização quer chegar e, com isso criar
ambiente propício, com gente adequada, capacitada para atingir esses objetivos.
Hoje
vemos uma grande transformação do país, a transição das gerações “X” para “Y”, bem como o preparo para a
inquieta “Z” que está por chegar, assim como o trabalho para adaptarmos as
gerações anteriores a Y nessa nova realidade.
O
principal ponto para montarmos estrategicamente nossa política de pessoal é
conhecemos nosso cliente, a pirâmide de Maslow é reflexo desse novo direcionamento. A nova Meca do consumo brasileiro é a classe “C”, por esse motivo
transcrevo essa reportagem da Folha de SP, que expressa em detalhes esse
mercado, que nos permite estudar minuciosamente formas de nos adaptarmos enquanto Gestores de RH, para atendê-los com excelência e colher os melhores
frutos desse investimento.
Quem
é a classe C? O que buscam?
Todos querem tirar a nova classe média para dançar
VAGUINALDO MARINHEIRO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A patroa, em crise financeira,
diz para a filha não destratar a empregada, porque ela, a empregada, prestes a
se casar com um bom partido, pode ser a única oportunidade para a família sair
da lama.
A cena, da novela das sete da
Globo, "Cheias de Charme", pode ser vista como uma alegoria da
economia brasileira e mundial. A tão falada "nova classe média",
representadas pelas "empreguetes" do folhetim global, é a moça que
todos querem tirar para dançar. E não só no mercado interno: as nações ricas
também correm atrás dos mercados consumidores dos emergentes (Brasil incluído).
Não é para menos: em oito anos,
de 2003 a 2011, 40 milhões de pessoas passaram das classes D e E para a C no
Brasil, segundo dados da FGV (Fundação Getúlio Vargas), do Rio de Janeiro.
Apenas 31 países no mundo têm
população maior que essa, equivalente à da Argentina ou à da soma dos
habitantes da Dinamarca, da Finlândia, da Noruega, da Irlanda, da Nova Zelândia
e da Holanda.
A classe média, ou classe C, como
definem os institutos de pesquisa, representa hoje 54% da população brasileira.
Na política, ela pode, sozinha, selar uma eleição. Na economia, transforma um
pequeno investimento em um negócio gigante.
Os efeitos da mudança são
visíveis: a propaganda no Brasil vai mudando e começa a não espelhar apenas
brancos e ricos; grupos que só atendiam a classe AAA lançam produtos mais
populares; novelas da Globo, como "Cheias de Charme" e "Avenida
Brasil", colocam os emergentes no centro da trama, relegando os ricos de
berço a núcleos periféricos; vendedores vêm sendo treinados para não desprezar
um possível comprador só pela aparência.
"Os empresários perceberam
que é essa classe média crescente que dará aos negócios escala econômica. Com
essa escala, é possível reduzir os custos e ampliar o lucro", diz Celso
Grisi, professor da FEA (Faculdade Economia e Administração) da USP e diretor
do Fractal Consult, instituto especializado em análises de mercado.
Para o presidente da Fiesp
(Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Paulo Skaf, a indústria nacional
só não se beneficiou ainda mais desse aumento do mercado consumidor por causa
do câmbio, que desviou o dinheiro da nova classe média para produtos
importados.
"Esse é um bom momento para
que as empresas brasileiras possam não só ganhar escala, mas ampliar sua
especialização", afirma.
Aloísio Pinto, vice-presidente de
planejamento da WMcCann, uma das principais agências de publicidade do país,
afirma que os publicitários tiveram que estudar esse novo consumidor para
entender o que ele quer.
"Ficou claro que aquele
excesso de luxo, típico da propaganda do passado, não funciona para essa nova
classe C. Não basta apenas colocar uma pessoa famosa para atraí-la, para
fazê-la comprar. Esse novo público está mais esperto e cínico para os velhos
truques da publicidade. Ele valoriza muito grandes lições de vida, histórias
que mostram que quem se esforça é recompensado e que quem é mau é punido."
Um bom exemplo está no ar
atualmente. Não tem ator nem cantor famoso, mas uma mãe e um filho, de
aparência simples, que tomam um ônibus e um avião para chegar à formatura do
irmão, que cursou medicina. A fábula de que o esforço compensa é usada para
vender um cartão de crédito.
Em 2011, um anúncio feito pela
Neo Gama para a Tim foi ambientado no Complexo do Alemão, no Rio, e o foco
estava nos moradores de favela, algo impensável há alguns anos. A intenção era
ampliar a venda de celulares com acesso à internet e banda larga pré-paga.
A Tim é um exemplo da nova
atitude empresarial. A empresa tem revendas nas favelas cariocas e vendedores
circulando nos trens suburbanos do Rio. Comprador não falta, já que ter celular
com acesso à internet sai bem mais barato que frequentar lan houses.
MAIS EXIGENTE
Outras empresas preferem
preservar suas marcas "premium" e lançar novas para brigar pelo novo
consumidor. No ano passado, por exemplo, o Grupo Fleury, cujos laboratórios são
exclusividade da classe AAA paulistana, montou uma nova rede para atender as
classes C e B em vários Estados.
Chama-se A+ e já possui 30
unidades na cidade de São Paulo e mais de 90 no país. Muitas das unidades já
pertenciam ao grupo, mas funcionavam com outras bandeiras, sem o endosso
explícito do Grupo Fleury. Agora, a marca famosa vem junto ao logo da A+.
O presidente do grupo, Omar
Hauache, afirma que o consumidor dessa nova classe média emergente está cada
vez mais exigente, e o grupo viu nessa mudança a oportunidade para crescer.
"Essas pessoas entraram no
mercado formal de trabalho e passaram a ter acesso a planos de saúde
corporativo, que representam 70% de nosso faturamento. Elas perceberam que
poderiam ter acesso a mais qualidade." O A+ teve, no primeiro trimestre
deste ano, um crescimento de 15% em suas receitas, mesmo índice registrado
pelos laboratórios da bandeira Fleury.
Abundam outros exemplos. No setor
de academias de ginástica, por exemplo, a Bodytech ressuscitou a marca Fórmula,
que agora tem unidades e preços menores. A Bio Ritmo lançou a Smart Fit, que
não oferece aulas, apenas os aparelhos, em troca de mensalidades mais baixas. A
Kopenhagen criou a Brasil Cacau, com produtos até 80% mais baratos que os da
marca-mãe.
A rede de salões de beleza
Jacques Jannine, que sempre focou as classes mais altas, criou a Basic Beauty,
mais popular. A primeira unidade fica no Mais Shopping Largo 13, em Santo Amaro
(zona sul de São Paulo).
Enquanto o corte e a lavagem de
um cabelo feminino, no mesmo salão, mas nos Jardins, custam juntos R$ 135, no
Basic Beauty, de Santo Amaro, o serviço sai por R$ 40 --70% a menos.
MARCAS DE COMBATE
O mercado chama essas linhas mais
populares de "marcas de combate". Você mantém os produtos
"premium", para uma elite que pode pagar mais, e cria uma linha
diferente para disputar um novo consumidor, que já supriu suas necessidades
mais básicas e vai em busca de qualidade.
"As ascensões dentro da
classe média explicam o sucesso dessas empreitadas. Num primeiro momento, a
pessoa sobe das classes D e E para a C e passa a consumir produtos básicos,
como alimentação. Depois ela vai atrás de itens aspiracionais [objetos de desejo]
e paga mais por produtos com melhor acabamento, mais bem apresentados",
afirma Grisi.
O fenômeno chegou também ao
elitizado mundo das editoras de livros, cuja produção beirou os 500 milhões de
exemplares em 2011, quase 200 milhões a mais que em 2003.
A editora Cosac Naify,
identificada com um público mais sofisticado, acabou de criar uma coleção de
bolso, com preços entre R$ 19,90 e R$ 24,90. Já a Companhia das Letras lançou
um novo selo em abril: a Paralela, que tem o objetivo de trabalhar com tiragens
altas e preços baixos. Matinas Suzuki Jr., diretor-executivo da editora,
prefere não ligar o novo selo ao inchaço da classe média.
"O que sabemos é que está
crescendo o número de leitores mais jovens e do sexo feminino, e que há uma
demanda por livros mais baratos", diz. "Mas é um equívoco atribuir
isso ao acesso de pessoas à classe média. Esse processo ocorre no mundo todo,
não apenas no Brasil." Mas, já que o aumento do emprego e da renda no
Brasil vem acompanhado de maior escolarização básica e de universitários, o
que, em tese, tende a elevar a procura por livros, tudo pode estar relacionado,
não?
"Poder, pode", afirma
Matinas. "Mas não temos como mensurar."
"O Sinal - O Santo Sudário e
o Segredo da Ressurreição", título impensável no catálogo da antiga
Companhia das Letras, sai por R$ 24,90 na Livraria Cultura. O recém-lançado
"Cidade Aberta", de Teju Cole, em formato menor e com 200 páginas a
menos que "O Sinal", custa R$ 39,90.
Já que todos a querem, cabe a
pergunta: quem é e o que quer essa nova classe média brasileira?
A resposta varia, dependendo do
interlocutor --e, se o mundo discorda sobre o tema pelo menos desde o século
19, com marxistas puxando de um lado, weberianos de outro, no Brasil não seria
diferente.
A Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Previdência da República tentou criar um critério oficial.
Anunciou, no final de maio, que, para o governo federal, está na classe média a
pessoa que vive em uma família cuja renda mensal per capita varia de R$ 291 a
R$ 1.019. Ou seja, se a soma dos salários e rendimentos de quatro pessoas de
uma família superar R$ 1.164 por mês, todos serão considerados de classe média.
Já para o Centro de Políticas
Sociais da FGV do Rio, é de classe média a pessoa que faz parte de uma família
cuja renda total varia de R$ 1.200 a R$ 5.174.
Márcio Pochmann, ex-presidente do
Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e candidato do PT à Prefeitura
de Campinas, fica de cabelo em pé quando ouve essas cifras. Para ele, definir a
classe média a partir da renda é uma deturpação dos conceitos sociológicos
--correto seria dizer que houve no Brasil, nos últimos anos, um aumento da
classe trabalhadora com a criação e formalização de empregos.
"A grande maioria dos
empregos criados foi de no máximo um salário mínimo e meio, e no setor de
serviços. No conceito de classe média, as pessoas estão em carreiras em que o
aumento da escolaridade aumenta também a renda. São funcionários públicos,
professores, bancários. Não é o que acontece no Brasil agora. Se a pessoa é
motorista de ônibus, não adianta fazer um pós-doutorado que não terá um salário
maior."
Para Pochmann, que acaba de
lançar o livro "Nova Classe Média?" [Boitempo, 128 págs., R$ 36]
--assim mesmo, com interrogação no final--, há, por trás dessas classificações,
componentes político-ideológicos.
"As reivindicações da classe
média e da classe trabalhadora são muito diferentes. Quem vai lutar pelo SUS
(Sistema Único de Saúde), quem vai lutar pela escola pública? Só a classe
trabalhadora. A média vai brigar por reduções no Imposto de Renda",
afirma.
Isso, segundo ele, influencia na
definição de políticas públicas e alimenta a discussão sobre o tamanho e as
incumbências do Estado: maiores, em que a classe trabalhadora é maior, ou
menores, em que a classe média é maioritária.
CRITÉRIO BRASIL
Para o sociólogo Amaury de Souza,
coautor, com Bolívar Lamounier, de "A Classe Média Brasileira: Ambições,
Valores e Projetos de Sociedade" [Campus, 192 págs., R$ 52,90], essa é uma
discussão estéril e ultrapassada. Para ele, termos como classe operária ou
trabalhadora não têm sentido no século 21.
"No século 19, quando Marx
falava de classe trabalhadora, referia-se àqueles que apenas tinham sua força
de trabalho para vender. E esse força era muscular. Isso tudo mudou. Nem no
agronegócio a força muscular é mais importante. A questão é o cérebro, a
qualificação." Amaury diz que os conceitos mais bem compreendidos no mundo
todo atualmente são os que separam a classe média dos pobres.
"A discussão relevante é
sobre a permanência dessas pessoas que ascenderam à classe média. Temos que
analisar qual o risco de elas voltarem a ser pobres. Isso vale para o Brasil e
para o mundo, porque o crescimento da classe média é mundial e é um efeito da
globalização."
Os recém-chegados à classe média
correriam mais riscos de deixá-la que os mais antigos porque, em geral, têm
menos patrimônio, pouca escolaridade e pouco capital social, que é uma rede de
amigos ou familiares com condições de ajudar em caso de dificuldades.
A discussão não fica apenas no
campo político/sociológico. Acontece também entre aqueles que precisam definir
como anunciar para atrair o consumidor A ou o B. A Abep (Associação Brasileira
das Empresas de Pesquisa), que municia o mercado publicitário, está em busca de
uma melhor definição econômica e social do brasileiro.
A associação utiliza hoje o
chamado Critério Brasil, que combina itens como a posse de determinados bens
(como TVs ou automóveis), estrutura da moradia (número de banheiros), presença
de empregados na casa e o nível educacional do chefe da família. A população é,
então, dividida em classes: A1 e A2; B1 e B2; C1 e C2; D e E. Mas há uma busca
por entender melhor a classe A (pequena e muito heterogênea) e a C (enorme e
também muito heterogênea).
Os professores Wagner Kamakura
(da Universidade Duke, nos EUA) e José Afonso Mazzon (da USP) estão ajudando a
Abep na busca de um novo critério. Eles acreditam que, para traçar um bom
perfil de classe, é melhor analisar a maneira como a pessoa gasta do que os
bens que possui.
Pelo mundo, há vários modelos de
classificação, com inclusão de status profissional, grau de escolaridade e até
aparência interna e externa da moradia. Na Alemanha e no Japão, por exemplo, a
ocupação do chefe da família é um fator determinante. Em outros países
europeus, conta também quantos anos de estudo essa pessoa possui.
Agências de publicidade como a
WMcCann trabalham com critérios próprios. O que importa, no caso, é o
comportamento do consumidor. Eles dividem a classe média em dois grupos. O
maior lembra a população mais endinheirada dos anos 1980, quando adquirir bens
significava status.
O outro grupo é chamado de
"C Beta". Esse está mais próximo de uma tendência moderna, de consumo
consciente, com preocupações ecológicas, por exemplo. Se as classificações
diferem, muitos dos desejos coincidem, e pesquisas mostram que a nova classe
média se aproxima da velha.
Questionados sobre o que querem
conquistar, seus membros elencam: uma casa para morar; uma casa para obter
renda (aluguel); uma aplicação financeira; uma boa aposentadoria. O desejo de
consumir é forte, principalmente entre os recém-chegados, mas aparece também o
desejo de poupar e investir na educação, principalmente dos filhos.
AMBIÇÃO
"Essa nova classe média é
ambiciosa, empreendedora", afirma Amaury de Souza. "Quer enriquecer e
depender menos do Estado. Um dado bem positivo é que ela sabe quão importante é
a educação e está investindo nisso."
Alheia a toda essa discussão,
Claudete Duarte, 24, autointitulada feliz pertencente à classe média, olhava
vitrines na hora do almoço no Mais Shopping Largo 13, em Santo Amaro, numa
tarde de maio. Inaugurado há pouco mais de um ano e meio, o centro de compras é
um clássico exemplo de empreendimento para os recém-ingressados na classe
média.
Quase a totalidade das lojas é
pequena (de 12 a 25 metros quadrados) e tem decoração simples.São boxes de
vidro, cheios de prateleiras móveis, cujo aluguel varia de R$ 3.800 a R$ 7.000
mensais.
Os sonhos dos emergentes estão
lá: um quiosque expõe apartamentos à venda pela construtora MRV, especializada
em habitações populares. Outro oferece panfletos da Unip (Universidade
Paulista), um dos maiores grupos educacionais do país, com mais de 200 mil matriculados.
Com pais que não completaram o
ensino fundamental, Claudete estuda administração em outra universidade, a
Uninove, cujo campus na região foi inaugurado em 2008. Ela diz que sua vida
melhorou muito nos últimos anos, e espera mais. Afirma que já teve sua fase
consumista, mas conseguiu escapar de um mal cada vez mais comum entre
brasileiros, o endividamento.
"Sei o que é ser pobre, bem
pobre, e espero conhecer o que é ser rica. Nem precisa ser muito rica, um pouco
rica já está bom. Daquele jeito que não precisa pensar muito em dinheiro,
sabe?"
Indústria, comércio e os demais
setores da economia, por interesses próprios, torcem por ela.
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